CONCEITO DE DIREITO
Não há um consenso sobre o conceito do direito. A esse respeito divergem juristas,
filósofos e sociólogos, desde tempos remotos. Deixando de lado as várias escolas
e correntes existentes, apontamos como ideal, pela concisão e clareza, a definição de
Radbruch, citada por Washington de Barros Monteiro, segundo a qual direito “é o
conjunto das normas gerais e positivas, que regulam a vida social”.
A palavra “direito” é usada, na acepção comum, para designar o conjunto de
regras com que se disciplina a vida em sociedade, regras essas que se caracterizam:
a) pelo caráter genérico, concernente à indistinta aplicação a todos os indivíduos, e
b) jurídico, que as diferencia das demais regras de comportamento social e
lhes confere eficácia garantida pelo Estado.
Normas de
conduta:
- Lei
- Costume
- Jurisprudência
- Princípios gerais de direito
As referidas normas de conduta constituem o direito objetivo, exterior ao sujeito.
O conjunto de leis compõe o direito positivo, no sentido de que é posto na sociedade
por uma vontade superior. Origina-se a palavra “direito” do latim directum,
significando aquilo que é reto, que está de acordo com a lei. A criação do direito não
tem outro objetivo senão a realização da justiça. No ensinamento de Aristóteles, aperfeiçoado pela filosofia escolástica, a justiça é a perpétua vontade de dar a cada
um o que é seu, segundo uma igualdade.
As normas de direito, como visto, asseguram as condições de equilíbrio da coexistência
dos seres humanos, da vida em sociedade. Há marcante diferença entre o
“ser” do mundo da natureza e o “dever ser” do mundo jurídico. Os fenômenos da
natureza, sujeitos às leis físicas, são imutáveis, enquanto o mundo jurídico, o do
“dever ser”, caracteriza-se pela liberdade na escolha da conduta. Direito, portanto, é
a ciência do “dever ser”.
DISTINÇÃO ENTRE O DIREITO E A MORAL
A vida em sociedade exige a observância de outras normas além das jurídicas.
As pessoas devem pautar a sua conduta pela ética, de conteúdo mais abrangente do
que o direito, porque ela compreende as normas jurídicas e as normas morais. Para
desenvolver a espiritualidade e cultuar as santidades, as pessoas devem obedecer aos
princípios religiosos. Para gozar de boa saúde, devem seguir os preceitos higiênicos.
Para bem se relacionar e desfrutar de prestígio social, devem observar as regras de
etiqueta e urbanidade etc.
As normas jurídicas e morais têm em comum o fato de constituírem regras de comportamento.
No entanto, distinguem-se precipuamente pela sanção (que no direito é
imposta pelo Estado, para constranger os indivíduos à observância da norma, e na moral
somente pela consciência do homem, traduzida pelo remorso, pelo arrependimento,
porém sem coerção) e pelo campo de ação, que na moral é mais amplo. Com efeito, as
ações humanas interessam ao direito, mas nem sempre. Desse modo, nem tudo que é
moral é jurídico, pois a justiça é apenas uma parte do objeto da moral. É célebre, neste
aspecto, a comparação de Bentham, utilizando-se de dois círculos concêntricos, dos
quais a circunferência representativa do campo da moral se mostra mais ampla, contendo
todas as normas reguladoras da vida em sociedade. O círculo menor, que representa
o direito, abrange somente aquelas dotadas de força coercitiva. A principal diferença
entre a regra moral e a regra jurídica repousa efetivamente na sanção.
Pode-se afirmar que direito e moral distinguem-se, ainda, pelo fato de o primeiro
atuar no foro exterior, ensejando medidas repressivas do aparelho estatal quando
violado, e a segunda no foro íntimo das pessoas, encontrando reprovação na sua
consciência. Algumas vezes tem acontecido de o direito trazer para sua esfera de
atuação preceitos da moral, considerados merecedores de sanção mais eficaz, pois
malgrado diversos os seus campos de atuação, entrelaçam-se e interpenetram-se de
mil maneiras.
DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL
Direito positivo é o ordenamento jurídico em vigor em determinado país e
em determinado período (jus in civitate positum). Em outras palavras, é o
“conjunto de princípios que pautam a vida social de determinado povo em
determinada época”, sendo nesta acepção que nos referimos ao direito romano,
ao direito inglês, ao direito alemão, ao direito brasileiro etc.; este pode
ser escrito ou não escrito, de elaboração sistemática ou de formação jurisprudencial. Segundo Capitant, é o que está em vigor num povo determinado,
e compreende toda a disciplina da conduta, abrangendo as leis votadas
pelo poder competente, os regulamentos, as disposições normativas de qualquer
espécie.
Direito natural é a ideia abstrata do direito, o ordenamento ideal, correspondente
a uma justiça superior e suprema. Para o direito positivo, por exemplo,
não é exigível o pagamento de dívida prescrita e de dívida de jogo (arts. 814
e 882). Mas, para o direito natural, esse pagamento é obrigatório. Na época
moderna, o direito natural desenvolve-se sob o nome de jusnaturalismo, sendo
visto como “expressão de princípios superiores ligados à natureza racional e
social do homem”
DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO
Direito objetivo é o conjunto de normas impostas pelo Estado, de caráter
geral, a cuja observância os indivíduos podem ser compelidos mediante coerção. Esse conjunto de regras jurídicas comportamentais (norma agendi) gera
para os indivíduos a faculdade de satisfazer determinadas pretensões e de praticar
os atos destinados a alcançar tais objetivos (facultas agendi). Encarado sob esse aspecto, denomina-se direito subjetivo, que nada mais é do que a faculdade
individual de agir de acordo com o direito objetivo, de invocar a sua
proteção.
- Direito subjetivo é, pois, “o poder que a ordem jurídica confere a alguém de agir e de exigir de outrem determinado comportamento”. É, portanto, o meio de satisfazer interesses humanos, derivado do direito objetivo, nascendo com ele. Se o direito objetivo é modificado, altera-se o direito subjetivo. Podemos dizer que há referência ao direito objetivo quando se diz, por exemplo, que “o direito impõe a todos o respeito à propriedade”; e que é feita alusão ao direito subjetivo quando se proclama que “o proprietário tem o direito de repelir a agressão à coisa que lhe pertence”
Na realidade, direito subjetivo e direito objetivo são aspectos da mesma realidade,
que pode ser encarada de uma ou de outra forma. Direito subjetivo é a expressão
da vontade individual, e direito objetivo é a expressão da vontade geral. Não somente
a vontade ou apenas o interesse configura o direito subjetivo: trata-se de um
poder atribuído à vontade do indivíduo para a satisfação dos seus próprios interesses
protegidos pela lei, ou seja, pelo direito objetivo.
DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO
Embora a divisão do direito objetivo em público e privado remonte ao direito
romano, até hoje não há consenso sobre seus traços diferenciadores. Vários critérios
foram propostos, sem que todos eles estejam imunes a críticas. Essa dicotomia tem,
efetivamente, sua origem no direito romano, como se depreende das palavras de
Ulpiano: “Direito público é o que corresponde às coisas do Estado; direito privado,
o que pertence à utilidade das pessoas”. Pelo critério adotado, da utilidade ou do
interesse visado pela norma, o direito público era o direito do Estado romano, o qual
dizia respeito aos negócios de interesse deste. O direito privado, por sua vez, disciplinava
os interesses particulares dos cidadãos.
Na realidade, o direito deve ser visto como um todo, sendo dividido em direito
público e privado somente por motivos didáticos. A interpenetração de suas normas
é comum, encontrando-se, com frequência, nos diplomas reguladores dos direitos
privados as atinentes ao direito público e vice-versa. Do direito civil, que é o cerne
do direito privado, destacaram-se outros ramos, especialmente o direito comercial, o
direito do trabalho, o direito do consumidor e o direito agrário. Segue gráfico retratando
a situação atual:
O direito do trabalho, o direito do consumidor e o direito aeronáutico, embora
contenham um expressivo elenco de normas de ordem pública, conservam a natureza
privada, uma vez que tratam das relações entre particulares em geral. Registre-se, no
entanto, a existência de corrente divergente que os coloca no elenco do direito público,
especialmente o direito do trabalho. Orlando Gomes inclusive menciona quatro correntes
de opinião que tratam do problema da localização deste último ramo do direito.
Digno de nota o fenômeno, que se vem desenvolvendo atualmente, da acentuada
interferência do direito público em relações jurídicas até agora disciplinadas no
Código Civil, como as contratuais e as concernentes ao direito de propriedade. Tal
interferência foi observada inicialmente na legislação especial (Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei das Locações, Código de Defesa do Consumidor etc.) e, posteriormente,
na própria Constituição Federal de 1988, a ponto de se afirmar hoje que
a unidade do sistema deve ser buscada, deslocando para a tábua axiológica da Carta
da República o ponto de referência antes localizado no Código Civil.
A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO
Desde o final do século XIX se observa uma tendência para unificar o direito
privado e, assim, disciplinar conjunta e uniformemente o direito civil e o direito
comercial. Alguns países tiveram experiências satisfatórias com a unificação,
como Suíça, Canadá, Itália e Polônia. Em verdade, não se justifica que um mesmo
fenômeno jurídico, como a compra e venda e a prescrição, para citar apenas alguns,
submeta-se a regras diferentes, de natureza civil e comercial. Por outro, as
referidas experiências demonstraram que a uniformização deve abranger os princípios de aplicação comum a toda a matéria de direito privado, sem eliminar a específica
à atividade mercantil, que prosseguiria constituindo objeto de especialização
e autonomia.
Desse modo, a melhor solução não parece ser a unificação do direito privado, mas,
sim, a do direito obrigacional. Seriam, assim, mantidos os institutos característicos do direito comercial, os quais, mesmo enquadrados no direito privado unitário, manteriam
sua fisionomia própria, como têm características peculiares os princípios inerentes
aos diversos ramos do direito civil, no direito de família, das sucessões, das
obrigações ou das coisas.
Miguel Reale adverte que é preciso “corrigir, desde logo, um equívoco que consiste
em dizer que tentamos estabelecer a unidade do direito privado. Esse não foi o
objetivo visado. O que na realidade se fez foi consolidar e aperfeiçoar o que já estava
sendo seguido no País, que era a unidade do direito das obrigações. Como o
Código Comercial de 1850 se tornara completamente superado, não havia mais
questões comerciais resolvidas à luz do Código de Comércio, mas sim em função do
Código Civil”.
Em realidade, pois, o novo Código Civil unificou as obrigações civis e mercantis,
ao trazer para o seu bojo a matéria constante da primeira parte do Código
Comercial (CC, art. 2.045), procedendo, desse modo, a uma unificação parcial do
direito privado.
Resumo.:
CONCEITO DE DIREITO CIVIL
Direito civil é o direito comum, que rege as relações entre os particulares.
Disciplina a vida das pessoas desde a concepção — e mesmo antes dela, quando
permite que se contemple a prole eventual (CC, art. 1.799, I) e confere relevância ao
embrião excedentário (CC, art. 1.597, IV) — até a morte, e ainda depois dela, reconhecendo
a eficácia post mortem do testamento (CC, art. 1.857) e exigindo respeito
à memória dos mortos (CC, art. 12, parágrafo único)2
.
Costuma-se dizer que o Código Civil é a Constituição do homem comum, por
reger as relações mais simples da vida cotidiana, os direitos e deveres das pessoas,
na sua qualidade de esposo ou esposa, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou
adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, testador ou herdeiro
etc. Toda a vida social, como se nota, está impregnada do direito civil, que regula as
ocorrências do dia a dia.
No direito civil estudam-se as relações puramente pessoais, bem como as patrimoniais.
No campo das relações puramente pessoais, encontram-se importantes
institutos, como o poder familiar; no das relações patrimoniais, estão todas as que
apresentam um interesse econômico e visam à utilização de determinados bens.
Devido à complexidade e ao enorme desenvolvimento das relações da vida civil que
o legislador é chamado a disciplinar, não é mais possível enfeixar o direito civil no
respectivo Código. Muitos direitos e obrigações concernentes às pessoas, aos bens e
suas relações encontram-se regulados em leis extravagantes, que não deixam de pertencer
ao direito civil, bem como à própria Constituição Federal.
É ele, portanto,
bem mais do que um dos ramos do direito privado, pois encerra os princípios de
aplicação generalizada, que se projetam em todo o arcabouço jurídico, não restringindo-se
à matéria cível. Nele se situam normas gerais, como as de hermenêutica, as relativas à prova e aos defeitos dos negócios jurídicos, as concernentes à
prescrição e decadência etc., institutos comuns a todos os ramos do direito.
História.:
No período colonial, vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas. Com a Independência,
ocorrida em 1822, a legislação portuguesa continuou sendo aplicada
entre nós, mas com a ressalva de que vigoraria até que se elaborasse o Código Civil.
A Constituição de 1824 referiu-se à organização de um Código Civil “baseado na
justiça e na equidade”, sendo que em 1865 essa tarefa foi confiada a Teixeira de
Freitas, que já havia apresentado, em 1858, um trabalho de consolidação das leis
civis.
O projeto então elaborado, denominado “Esboço do Código Civil”, continha
cinco mil artigos e acabou não sendo acolhido, após sofrer críticas da comissão revisora.
Influenciou, no entanto, o Código Civil argentino, do qual constitui a base.
Várias outras tentativas foram feitas, mas somente após a Proclamação da República,
com a indicação de Clóvis Beviláqua, foi o projeto de Código Civil por ele
elaborado e, depois de revisto, encaminhado ao Presidente da República, que o remeteu
ao Congresso Nacional, em 1900.
Aprovado em janeiro de 1916, entrou em
vigor em 1º de janeiro de 1917.
A complexidade e o dinamismo das relações sociais determinaram a criação, no
país, de verdadeiros microssistemas jurídicos, decorrentes da edição de leis especiais
de elevado alcance social e alargada abrangência.
No entanto, a denominada “constitucionalização do Direito Civil” (expressão
utilizada pelo fato de importantes institutos do direito privado, como a propriedade,
a família e o contrato, terem, hoje, as suas vigas mestras assentadas na Constituição
Federal) contribuiria para a fragmentação do direito civil.
Essa situação suscitou
discussões sobre a conveniência de se ter um direito civil codificado, chegando alguns
a se posicionar contra a aprovação do Código de 2002, sugerindo a manutenção
e a ampliação dos denominados microssistemas, sustentando que a ideia de sedimentação
estática das normas, que caracteriza a codificação, estaria ultrapassada. Todavia,
os Códigos são importantes instrumentos de unificação do direito, consolidando
por esse meio a unidade política da nação.
Constituem eles a estrutura
fundamental do ordenamento jurídico de um país e um eficiente meio de padronização dos usos e costumes da população.
A realidade é que a ideia de codificação prevaleceu. Percebeu-se que, com a
visão unitária do sistema, é possível haver uma harmônica convivência entre as leis
especiais, as normas codificadas e os preceitos constitucionais.
O Código Civil de 1916 continha 1.807 artigos e era antecedido pela Lei de
Introdução ao Código Civil. Possuía uma Parte Geral, na qual constavam conceitos, categorias e princípios básicos aplicáveis a todos os livros da Parte Especial e que
produziam reflexos em todo o ordenamento jurídico.
Os doutrinadores atribuem aos pandectistas alemães a ideia de dotar o Código
Civil de uma Parte Geral contendo os princípios gerais aplicáveis aos livros da Parte
Especial.
Todavia, Teixeira de Freitas, antes mesmo do surgimento do BGB (Có-
digo Civil alemão), já havia preconizado, em sua “Consolidação das Leis Civis” de
1858, a estruturação do estatuto civil dessa forma. Elogiado pela clareza e precisão
dos conceitos, bem como por sua brevidade e técnica jurídica, o referido Código refletia
as concepções predominantes em fins do século XIX e no início do século XX,
em grande parte ultrapassadas, baseadas no individualismo então reinante, especialmente
ao tratar do direito de propriedade e da liberdade de contratar.
A evolução social, o progresso cultural e o desenvolvimento científico pelos
quais passou a sociedade brasileira no decorrer do século passado provocaram transformações
que exigiram do direito uma contínua adaptação, mediante crescente elaboração
de leis especiais, que trouxeram modificações relevantes ao direito civil,
sendo o direito de família o mais afetado.
A própria Constituição Federal de 1988 trouxe importantes inovações ao direito
de família, especialmente no tocante à filiação, bem como ao direito das coisas, ao
reconhecer a função social da propriedade, restringindo ainda a liberdade de contratar
em prol do interesse público. Desse modo, contribuiu para o deslocamento do
centro da disciplina jurídica das relações privadas, permanecendo o Código Civil
como fonte residual e supletiva nos diversos campos abrangidos pela legislação
extravagante e constitucional.
O Código Civil de 2002
Após algumas tentativas frustradas de promover a revisão do Código Civil, o
Governo nomeou, em 1967, nova comissão de juristas, sob a supervisão de Miguel
Reale, convidando para integrá-la: José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho
Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes (Direito de Empresa),
Ebert Vianna Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva (Direito de
Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões).
Essa comissão apresentou, em 1972, um Anteprojeto, com a disposição de preservar,
no que fosse possível, e no aspecto geral, a estrutura e as disposições do
Código de 1916, mas reformulando-o, no âmbito especial, com base nos valores
éticos e sociais revelados pela experiência legislativa e jurisprudencial.
Procurou
atualizar a técnica deste último, que em muitos pontos foi superado pelos progressos
da ciência jurídica, bem como afastar-se das concepções individualistas que nortearam
esse diploma para seguir orientação compatível com a socialização do direito
contemporâneo, sem se descuidar do valor fundamental da pessoa humana. Enviado
ao Congresso Nacional, transformou-se no Projeto de Lei n. 634/75. Finalmente, no limiar deste novo século, foi aprovado, tornando-se o novo Código Civil brasileiro.
Entrou em vigor, após um ano de vacatio legis, em 11 de janeiro de 2003.
O Código Civil de 2002 apresenta, em linhas gerais, as seguintes características:
- preserva, no possível, como já mencionado, a estrutura do Código de 1916, atualizando-o com novos institutos e redistribuindo a matéria de acordo com a moderna sistemática civil;
- mantém o Código Civil como lei básica, embora não global, do direito privado, unificando o direito das obrigações na linha de Teixeira de Freitas e Inglez de Souza, reconhecida a autonomia doutrinária do direito civil e do direito comercial;
- aproveita as contribuições dos trabalhos e projetos anteriores, assim como os respectivos estudos e críticas;
- inclui no sistema do Código, com a necessária revisão, a matéria das leis especiais posteriores a 1916, assim como as contribuições da jurisprudência;
- exclui matéria de ordem processual, a não ser quando profundamente ligada à de natureza material;
- implementa o sistema de cláusulas gerais, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, que desfruta, assim, de certa margem de interpretação
As cláusulas gerais resultaram basicamente do convencimento do legislador de
que as leis rígidas, definidoras de tudo e para todos os casos, são necessariamente
insuficientes e levam seguidamente a situações de grave injustiça. Embora tenham,
num primeiro momento, gerado certa insegurança, convivem, no entanto, harmonicamente
no sistema jurídico, respeitados os princípios constitucionais concernentes
à organização jurídica e econômica da sociedade. Cabe destacar, dentre outras, a
cláusula geral que exige um comportamento condizente com a probidade e boa-fé
objetiva (CC, art. 422) e a que proclama a função social do contrato (art. 421).
São
janelas abertas deixadas pelo legislador, para que a doutrina e a jurisprudência definam
o seu alcance, formulando o julgador a própria regra concreta do caso. Diferem
do chamado “conceito legal indeterminado” ou “conceito vago”, que consta da
lei, sem definição (como, v.g., “bons costumes” — CC, arts. 122 e 1.336, IV — e
“mulher honesta”, expressão esta que constava do art. 1.548, II, do Código Civil de
1916), bem como dos princípios, que são fontes do direito e constituem regras que
se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não
escritas. O art. 4º da LICC prevê a possibilidade de o julgador, além dos princípios
constitucionais, aplicar também os princípios gerais de direito, de âmbito civil, que
têm importante função supletiva.
Continuam em vigor, no que não conflitarem com o novo Código Civil, a Lei do
Divórcio (somente a parte processual), o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato) etc. (CC,
arts. 732, 2.033, 2.036 e 2.043).
O novo Código manteve, como já referido, a estrutura do Código Civil de 1916,
seguindo o modelo germânico preconizado por Savigny, colocando as matérias em
ordem metódica, divididas em uma Parte Geral e uma Parte Especial, num total de
2.046 artigos.
O Código Civil de 1916 invertera a sequência das matérias prevista do Código
alemão, distribuindo-as nessa ordem: direito de família, direito das coisas, direito
das obrigações e direito das sucessões. O novo Código Civil, todavia, não fez essa
inversão, optando pelo critério do Código germânico. Assinale-se que o Direito de
Empresa não figura, como tal, em nenhuma codificação contemporânea, constituindo,
pois, uma inovação original.
Quanto ao conteúdo do direito civil, pode-se dizer, sob o ponto de vista objetivo,
que compreende “as regras sobre a pessoa, a família e o patrimônio, ou de modo
analítico, os direitos da personalidade, o direito de família, o direito das coisas, o direito
das obrigações e o direito das sucessões, ou, ainda, a personalidade, as relações
patrimoniais, a família e a transmissão dos bens por morte. Pode-se assim dizer que
o objeto do direito civil é a tutela da personalidade humana, disciplinando a personalidade
jurídica, a família, o patrimônio e sua transmissão".
O novo Código Civil trata dessas matérias não com exclusividade, mas subordinando-se
hierarquicamente aos ditames constitucionais, que traçam os princípios
básicos norteadores do direito privado.
Princípios Básicos:
O Código Civil de 2002 tem, como princípios básicos, os da:
a) socialidade;
b) eticidade; e
c) operabilidade.
- O princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana. Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, como enfatiza Miguel Reale: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador. Essa adaptação passa pela revolução tecnológica e pela emancipação plena da mulher, provocando a mudança do “pátrio poder” para o “poder familiar”, exercido em conjunto por ambos os cônjuges, em razão do casal e da prole. Passa também pelo novo conceito de posse (posse-trabalho ou posse pro labore), atualizado em consonância com os fins sociais da propriedade e em virtude do qual o prazo da usucapião é reduzido, conforme o caso, se os possuidores nele houverem estabelecido a sua morada ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
- O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equitativa. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo o direito obrigacional. Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa. Vislumbra-se o aludido princípio em vários dispositivos do novo diploma. O art. 113 exige lealdade das partes, afirmando que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. A função social dos contratos e a boa-fé objetiva, tendo como anexos os princípios da probidade e da confiança, são prestigiadas nos arts. 421 e 422.
- O princípio da operabilidade, por fim, leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, executado. Por essa razão, o novo Código evitou o bizantino, o complicado, afastando as perplexidades e complexidades. Exemplo desse posicionamento, dentre muitos outros, encontra-se na adoção de critério seguro para distinguir prescrição de decadência, solucionando, assim, interminável dúvida. No bojo do princípio da operabilidade está implícito o da concretude, que é a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, mas, tanto quanto possível, legislar para o indivíduo situado: para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Em mais de uma oportunidade, o novo Código optou sempre por essa concreção, para a disciplina da matéria. O princípio da operabilidade pode ser, portanto, visualizado sob dois prismas: o da simplicidade e o da efetividade/concretude.
Direito civil-constitucional
Ao tutelar diversos institutos nitidamente civilistas, como a família, a propriedade,
o contrato, dentre outros, o legislador constituinte redimensionou a norma
privada, fixando os parâmetros fundamentais interpretativos. Em outras palavras,
salientam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “ao reunificar o sistema
jurídico em seu eixo fundamental (vértice axiológico), estabelecendo como princípios norteadores da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III), a solidariedade social (art. 3º) e a igualdade substancial (arts. 3º e 5º.),
além da erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, promovendo
o bem de todos (art. 3º, III e IV), a Lex Fundamentallis de 1988 realizou uma interpenetração
do direito público e do direito privado, redefinindo os seus espaços,
até então estanques e isolados.
Tanto o direito público quanto o privado devem obediência
aos princípios fundamentais constitucionais, que deixam de ser neutros,
visando ressaltar a prevalência do bem-estar da pessoa humana”.
Sob essa perspectiva, tem-se anunciado o surgimento de uma nova disciplina ou
ramo metodológico denominado direito civil-constitucional, que estuda o direito
privado à luz das regras constitucionais. Retro, é
digno de nota o fenômeno que se vem desenvolvendo atualmente, da acentuada interferência
do direito público em relações jurídicas até agora disciplinadas no Código Civil, como as contratuais e as concernentes ao direito de família e ao direito de
propriedade, reguladas na Constituição Federal de 1988, a ponto de se afirmar hoje
que a unidade do sistema deve ser buscada, deslocando para a tábua axiológica da
Carta da República o ponto de referência antes localizado no Código Civil.
O direito civil-constitucional está baseado em uma visão unitária do sistema.
Ambos os ramos não são interpretados isoladamente, mas dentro de um todo, mediante
uma interação simbiótica entre eles. Segundo Paulo Lôbo, “deve o jurista interpretar
o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código,
como ocorria com frequência (e ainda ocorre)”. Com efeito, a fonte primária
do direito civil — e de todo o ordenamento jurídico — é a Constituição da República, que, com os seus princípios e as suas normas, confere uma nova feição à ciência
civilista.
O Código Civil é, logo após a incidência constitucional, o diploma legal
básico na regência do direito civil. Ao seu lado, e sem relação de subordinação ou
dependência, figuram inúmeras leis esparsas, que disciplinam questões específicas,
como, v.g., a lei das locações, a lei de direitos autorais, a lei de arbitragem etc.
A expressão direito civil-constitucional apenas realça a necessária releitura
do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, da nova
tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art.1º, III), na solidariedade
social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º).
Fonte: Direito Cívil esquematizado - Autor, Pedro Lenza